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Homem é Fogo
(com o Pê, o Agá, o O, o Dê e o A maiúsculos)!!


Fazia parte do Coro de Câmara da Unb. No final de maio, a maestrina nos comunicou que havíamos sido convidados para cantar em um shopping, na noite do dia 12 de junho. Arrepiei só de imaginar a reação do marido. Além de dia dos namorados, era também nosso aniversário de casamento. E não arrepiei à toa. Quanto toquei no assunto, achei que a cara dele nunca mais voltaria ao normal. Nem quando expliquei que a apresentação estava marcada para as 19h e, no mais tardar, às 21h eu estaria em casa. Não adiantou convidá-lo para assistir e encerrar a noite com chave de ouro num dos muitos motéis próximos ao shopping. Para evitar as prováveis sessões de terapia de casal que se fariam necessárias caso eu insistisse, liguei para ela e avisei que não poderia participar.
Na tarde do dia dos namorados, encontrei um amigo que também conhecia outros membros do coral. Animado, ele avisou:
- Vocês vão cantar lá perto de casa hoje. Vou com a Soninha assistir.
- Ih! Eu não vou. O marido não deixou.
- Puxa! Que pena! Você deve ter ficado chateada...
- Não... Pra ele ter sido tão categórico, acho que ele deve estar arquitetando alguma coisa... Alguma surpresa...
E achava mesmo. Saí do trabalho um pouco mais tarde, para dar-lhe tempo de organizar tudo. Imaginei que, ao chegar em casa, seria recebida por jantar à luz de velas, música suave, flores, a hidromassagem cheia, ladeada por velas aromáticas, uma garrafa de champanhe mergulhada num balde de gelo, duas taças, uma bandejinha com frutas e queijos. Sobre a cama, numa caixa branca envolta em laço dourado, um lindo lingerie novo que ele me pediria, com voz lânguida, para estrear.

Criiiiiiiiiiinnnnnnnnnnnnnnnnnnnch!
O freio de mão do racional me acordou. Obviamente ele não cozinharia. Tirando o churrasco, que ele faz muito bem, mas que não é nada romântico, ele não é muito chegado à cozinha.
Também duvido muito que ele compraria velas aromáticas, duvido mesmo que ele saiba onde comprar isso. E o Champanhe? Champanhe não é minha bebida preferida. Ainda mais a que se vende normalmente por aí, Brut, Sec. Não gosto. Preferia alguma coisa mais doce, um Lambrusco, por exemplo. Ele se lembraria disso? Ele saberia comprar um lingerie pra mim mas, será que ele teria idéia de lavar as peças? É claro! Lingerie não se estréia sem lavar primeiro.

O imaginário reage a tanta castração lógica:
- Há vários restaurantes onde ele poderia ter encomendado alguma coisa fina e afrodisíaca, quem sabe? Amigas poderiam indicar-lhe onde comprar as velas, os perfumes mais sensuais e até a importância de lavar o lingerie antes de entregar-me. Ele se lembra do quanto eu gosto de caqui. Já ganhamos um jogo de mímica por isso. Certamente vai se lembrar do Lambrusco e...

Novo direto de esquerda do racional no estômago da fantasia:
- Ha! Ha! Estou sonhando! Quando muito ele vai estar me esperando do lado de fora, com as cachorrinhas, talvez me dê um presente ou flores e me convide para jantar fora.

Inicia-se a contagem: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e... milagrosamente, antes que se grite "nocaute", o imaginário romântico se levanta da lona, lépido e fagueiro:
- Ah! O que é isso? Que falta de fé! Pela carinha que ele fez quando pensou que ficaria sem mim na noite de hoje... Ele com certeza pensou em alguma coisa.

Mais animada com essa quase certeza, cheguei em casa.
Fui recebida pelas cachorrinhas felicíssimas. Beijos e lambidas delas e nada do marido. Dei um tempinho do lado de fora, para as meninas fazerem um xixi e ele vir ao meu encontro. Não veio. Pensei:
- A surpresa deve estar lá no quarto. Vou encontrá-lo.
Nada. Resolvo tentar o escritório. Sim! Lá estava ele! Meu amado marido... acessando o Mercado Livre, olhando coisas de informática. Abriu um lindo sorriso, feliz da vida em me ver.
Eu não estava acreditando:
- Você sabe que dia é hoje?
Olhou na tela do micro:
- Dia 12 de jun... O-ho! Ô, pôsa, eu esqueci...
Nem respondi. Voltei pra cozinha, coloquei uma pizza congelada no forno, botei a mesa, com umas velas em cima. Peguei um Lambrusco, coloquei no Freezer, no modo de congelamento automático. Subi pro quarto, botei a hidro pra encher, bem fraquinha, acendi mais algumas velas aromáticas em volta dela. Desci de novo. Ele andando atrás de mim, pedindo desculpas e tal. Retirei a pizza do forno, servi. Ainda estava meio emburrada, mas decidida a fazer a noite valer a pena. Afinal, por ela, havia aberto mão de um de meus maiores prazeres: cantar. Quando terminamos de jantar, já estava mais relaxada. Peguei o vinho, o balde com gelo e as taças e subi. A hidro estava quase cheia, entramos, ficamos ali conversando. E mais eu não conto, senão vou ter que mudar a categoria deste texto.

Cheguei à conclusão de que homem é mesmo um bicho esquecido, desligado. Durante este ano, andando com ele pela rua, mostrei onde comprar as velas, lingerie e aproveitei para lembrá-lo de lavar as peças antes de me dar para usar. Repeti que eu gosto é de Lambrusco, de preferência com queijos e frutas e adoro banhos de hidro e jantares afrodisíacos à luz de velas.
Se ele prestou atenção em tudo o que eu disse, no dia 13, logo após o próximo dia dos namorados, conto como foi.
Senão, vou precisar da indicação de algum bom terapeuta de casal...

Imagem daqui.

Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 13/06/2008
Alterado em 21/08/2010


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