Textos



Borboletas na Vidraça


A porta de nossa churrasqueira é de vidro. Uma grande vidraça que já algumas vezes, vitimou os incautos: meu sogro, minha mãe, um irmão, um sobrinho... Ao saírem do ambiente escuro para um mais claro, com uma paisagem verde deslumbrante distraindo as atenções ao fundo, ninguém se lembra de observar que a porta está fechada. Inevitável chocar-se contra ela como uma mariposa na lâmpada.
Para evitar acidentes, resolvi colar uns enfeites de resina nela. Queria umas flores ou algumas figuras geométricas, mas não achei nada interessante. Acabei comprando um kit com peixinhos, golfinhos, bolinhas e estrelas coloridos. Ficou meio jeca, um tanto infantil, mas cumpriu seu papel e nunca mais ninguém atropelou minha grande porta de vidro.
Às vésperas do natal, entrei numa loja de R$ 1,99 a procura de uns enfeites para as mesas e me deparei com algumas borboletas de tecido. Eram graciosas, embora a maioria fosse muito artificial, coberta de detalhes em purpurina. Selecionei duas que me pareceram um pouco mais realistas e as colei na vidraça, retirando os enfeites de resina.
O efeito ficou muito melhor e o objetivo, chamar a atenção para a existência da barreira transparente e intransponível, foi plenamente atingido.
Porém, agora, ao olhar a porta e ver as duas borboletas "pousadas", é inevitável uma visita da memória a García Márques e à antológica cena das borboletas amarelas em Macondo. Deu-me vontade de reler o livro. Mais: deu-me vontade de reler outros tantos livros, clássicos ou populares.
Senti uma enorme saudade de cultura. Livros, exposições de fotos, quadros, esculturas, teatro, música e dança... manifestações artísticas que eu não perdia quando solteira.
Fazia faculdade de teatro e respirava cultura lá dentro. Sempre havia algum evento dos alunos para assistir e prestigiar. Também fazia aula de canto numa escola de música próxima onde, igualmente, havia muitas apresentações, tanto dos alunos quanto dos professores.
Se não bastasse, comprava o jornal na sexta-feira e cortava a coluna de programação cultural para colar na porta do guarda roupa. Ia riscando as peças, shows, filmes que assistia e não foram raras as vezes que, na sexta-feira seguinte, substituía uma coluna toda riscada por outra nova.
Ultimamente, mal tenho tempo para ler os textos dos amigos na Internet, tenho vários livros começados espalhados pela casa e não consigo terminar. Há anos não vou ao teatro, recentemente fui a um show de chorinho, mas estava tão cansada que comecei a cochilar. Tive que sair no intervalo. Na pós-graduação fiz carteirinha de estudante. Não valeu o trabalho. Ela venceu sem nunca ter sido usada.
Também deixei o coral, onde extravasava meus sonhos de cantora. Abandonei as aulas de violão e teclado e a freqüência de escrever um texto por dia que eu queria manter ficou inviável...
Não é que eu não me divirta. Tenho ótimos amigos com quem aproveito muitos bons momentos. Tenho uma família alegre e unida com a qual todo encontro é dia de festa. E minha casa, o marido e as cachorrinhas conseguem me entreter por horas. Cuido da horta, vejo pássaros e miquinhos no arvoredo junto ao córrego, temos o home-theater, onde assistimos bons filmes...
Mas tenho sentido falta de cultura, de arte. Penso que preciso conseguir mais horas no meu dia, repriorizar, me organizar... Ainda não sei como farei isso, mas farei. Não posso esperar uma ainda longínqua aposentadoria para poder me dedicar às coisas que amo.
Pelo menos uma decisão eu já tomei: vou voltar a escrever com mais freqüência. E vou voltar a ler também.
E vou colocar mais algumas borboletas na vidraça... de diferentes tamanhos, a maioria amarela, para que elas não me permitam esquecer Maurício Babilônia e essa ânsia, há tantos anos adormecida...

Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 05/01/2009
Alterado em 06/07/2010


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