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Por Que No Te Calas?


Lá estava eu, em meu suplício semanal de fazer as unhas. Próximo, quatro outras manicuras conversavam, enquanto aguardavam fregueses. Falavam sobre a excomunhão dos profissionais que fizeram o aborto dos gêmeos, filhos da criança de nove anos estuprada pelo padrasto. Como todo assunto de grande comoção popular, impossível fugir deste, por mais que ele nos embrulhe o estômago. Já esperava o discurso sobre o quanto a postura da igreja pode ser irresponsável, reacionária e medíocre, diante de situações polêmicas e difíceis como esta. Entenderia, não sem algum desagrado, opiniões em apoio ao Arcebispo e ao Vaticano. Jamais, porém, esperaria ouvir o que ouvi. Ressalto: eram quatro mulheres, algumas delas, mães:

- Ah! Se a menina vinha sendo molestada desde os seis anos de idade e nunca reclamou, é porque gostava.

Silêncio. A estúpida continuou seu raciocínio:

- Vocês precisam ver como essas meninas se oferecem na internet. Cada foto! Como é que se deixam fotografar daquele jeito e não contam nada a ninguém, é porque gostam disso.

Disseram alguma coisa sobre ameaça, medo. Pensei, com certo alívio, que enfim, a conversa evoluiria para colocar alguma consciência na cabeça daquela criatura.

- Medo de quê!? Com medo a gente grita. Por que não gritam? Você vê... Quando elas não querem elas gritam.

Alguém falou alguma coisa sobre assassinato, não me lembro bem, mas deu a entender que o animal pode matar a criança, se ela gritar. Nem assim o ser ignóbil mudou seu entendimento da culpabilidade da menina.

Puxei assunto com a manicure que cuidava de mim, não podia mais continuar ouvindo tantas sandices. Se as outras que são amigas ou, pelo menos, colegas daquele monstro não tiveram coragem de argüir e apenas ficaram ali, vacas de presépio, embora me roendo por dentro, também não tive coragem de intervir na conversa. Sei que não seria capaz de me manifestar de forma polida e mamãe me educou muito bem para não ficar batendo boca na rua.

Já acho fora de propósito alguém culpar uma mulher adulta, vítima de estupro, por estar usando uma roupa provocante ou se colocando em local e horário de risco, que dirá uma criança, que não entende muito bem o que está acontecendo, tem pouca noção de certo e errado, que, na maior parte, é molestada por pessoas ligadas à família, nas quais confia e das quais ouve ameaças ou promessas para permanecer em silêncio.

O que posso dizer? Sim! Nossa sociedade supervaloriza o sexo. Crianças são bombardeadas pela mídia todo o tempo com imagens de mulheres vulgares que se expõem em troca de alguns minutos de fama e isso pode fazê-las perder a pureza e a meiguice de crianças. Mas, ainda são crianças, devem ser amadas, protegidas, educadas, devem ter chance de crescer sem traumas ou atropelos. A única coisa inteligente que ouvi naquele diálogo de bestas foi uma delas afirmar que conversa muito com as filhas. É isso! Conversem com seus filhos, conquistem sua confiança. E permaneçam em vigília. Fiquem atentos a presentes de fonte desconhecida, hematomas ou cicatrizes. Observem se a criança tornar-se arredia, sobressaltada... Cuidados redobrados se ela voltar a fazer xixi na cama ou se começar a destruir brinquedos, tornando-os feios e sujos como elas se sentem. Na dúvida, pergunte. E denuncie. Quem faz isto uma vez, muito provavelmente vai continuar fazendo...

E para a imbecilóide do salão, cito frase amplamente reproduzida na Internet, cujo autor não consegui descobrir: "É melhor ficar calado e deixar que pensem que você é um idiota, do que abrir a boca e não deixar nenhuma dúvida."

Imagem daqui.

Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 11/03/2009
Alterado em 21/08/2010


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