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A Chuva Sabe
Tertuliano permanecia deitado na cama. O corpo ainda estava dolorido da véspera, mas agradecia aos céus por estar vivo. Em sua cabeça repassava o ocorrido: estava ajeitando a antena da casa quando o raio a atingiu em cheio, por sorte, no exato instante em que ele havia se afastado um pouco para ouvir o retorno do irmão sobre a qualidade da imagem. Atordoado com a intensa descarga elétrica, ele rolou pelas telhas e caiu a um canto do quintal, a queda amortecida pelo varal onde tremulava a roupa recém lavada. A mãe e os vizinhos o levaram ao médico e, felizmente, além de escoriações, ele nada havia sofrido.
Agora, outras preocupações lhe ocupam a mente. Precisa pagar umas contas e o dinheiro da obra não saiu... Consome-se na dúvida: o que fazer?
A chuva que tilinta nas telhas de amianto acima dele responde, num sussurro:
- Jogue na Loto.
- Quem está aí? Quem falou?
A chuva responde, no seu tilintar:
- Jogue: 04, 08, 27, 35, 43.
Ele ainda duvida um pouco daquilo, acha que é alguma brincadeira de mau gosto, mas ante a insistência e firmeza daquela voz, decide obedecer. Não tinha mesmo nada a perder, além do dinheirinho da aposta. Apostou, mas não contou a ninguém. De noitinha, acompanhou a apuração.
Bingo! Ganhou uma grana. Não muito. O suficiente para pagar as contas, comprar um carrinho e fazer umas melhorias na casa. Desde esse dia, sempre que chovia, ele recebia recados da chuva. Ora oportunidades, como quando conseguiu finalmente levar a Darcilene para sair, justamente quando ela terminou com o namorado brutamontes, ora advertências, como aquela vez em que não entrou na igreja que pegou fogo.
No início ninguém acreditava. Mas, aos poucos foi dando provas de sua relação íntima com a chuva. Chegou a ser entrevistado num programa de televisão. Deu provas ao vivo e a cores de sua inusitada amizade. E foi contratado pela rede de TV. Teria um programa só seu e com o nome "A Chuva Sabe", onde atenderia aos sábados à tarde, consultas enviadas por telespectadores durante a semana e daria as respostas solicitadas.
Na semana de estréia do programa, já havia uma centena de cartas a espera da resposta. Era finalzinho de abril e a estação da seca chegou à capital. A chuva havia ido embora sem sequer se despedir. Por, pelo menos, seis meses.


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Este texto, assim como o que publicarei amanhã, foi escrito para o III Desafio Recantista (veja detalhes em:
http://www.escritoresdorecanto.xpg.com.br/desafio200903.htm).
Ao final, optei pelo texto inscrito, por entendê-lo uma proposta mais leve e divertida:
http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/1544192
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 22/04/2009
Alterado em 22/04/2009


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