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Estou Ficando Velha


A cena fica dramática. A câmera se aproxima e a mulher assume, com lágrimas nos olhos, que matou a amante do marido. Além da traição óbvia, o motivo do crime:
- Ela passou clamídia a ele, que passou a mim. E, por causa disso, perdi meu bebê. Vinha há três anos tentando engravidar, era minha última chance.
E completou, para minha surpresa:
- Eu tenho quarenta anos!
Olhei para ela com um pouco mais de atenção. Pareceu-me tão acabada... Eu tenho quarenta e dois e não estou assim. Ou eles estão escolhendo umas atrizes meio velhas para representar quarentonas ou a impressão que eu tenho da minha linda pessoinha está um tanto defasada no tempo.
Lembrei da piada da mulher que vai a um dentista e ao ver o diploma dele, reconhece seu nome como sendo de um colega de escola, de décadas atrás. Porém, ao ser introduza à sala dele, fica chocada por achá-lo idoso demais para ser seu colega. Talvez seja o pai dele. Puxa assunto e, ao ter a confirmação de que realmente era quem ela pensava, exclamou:
- Acho que você era da minha turma!
Ao que ele, após olhá-la por alguns instantes:
- Puxa! Que memória! E a senhora dava aulas de quê?
Melhor conferir isto mais de perto. Vou ao oráculo, isto é, ao espelho. Tá... tem umas ruguinhas, a pele já não tem mais aquela elasticidade, os fios brancos se multiplicam como coelhos na cabeça mas, no geral, ainda sou a mesma Nena de sempre. O corpo até melhorou!
Começo a processar detalhes que possam ter passado desapercebidos. Lembro que fui a uma dermatologista há alguns meses. Estava com uma irritação na pele, havia sido atacada por carrapatos pólvora enquanto fazia uma trilha, mas ela nem me deixou falar. Luz na minha cara, eu já pra gritar:
- Eu confesso, eu confesso!
... quando ela desligou a luz e informou, quase feliz:
- Não! Não é caso de botox, ainda. Mas podemos fazer um preenchimento aqui e...
Eu a interrompi, expliquei o motivo da visita, ela fez uma cara de “mas que precisa, precisa” e rabiscou lá uma pomadinha pra tratar a irritação. Eu fiquei uns dias com a pulga atrás da orelha, aproveitei a tal pomadinha, passei ali onde ela estava picando também e tentei esquecer o assunto.
Mas, não se esquece um assunto desses. A cada nova vela adicionada ao bolo, vem a lembrança da cara analítica de cera da médica, esta sim deve ter botox até no umbigo.
Começo a observar que os homens já não me olham tanto como antes, ninguém buzina mais quando eu passo, nem mesmo quando estou de costas... O que denuncia minha decreptude? São as roupas?
Ah! Meu Deus!! É o bumbum! Será que já caiu? Não pode! Ele nunca foi grande. Meu irmão dizia que eu era filha de marceneiro, tinha o bumbum embutido. Como é que um bumbum embutido pode cair a ponto de denunciar meus quarenta e dois anos? Não... não pode ser... Acho que são os cotovelos!! Aposto!! Devem ser cotovelos de velha... Taí a expressão, falar pelos cotovelos. Devem ser eles os primeiros a denunciar a idade da gente, esses fofoqueiros! Sei não. Mas, por via das dúvidas, aproveito para passar um creminho neles.
Talvez seja o caso de parar de lutar para prender os radicais. Eles são definitivamente livres para irem para onde bem entenderem. Provavelmente para a pele sedosa de alguma jovenzinha como eu era há alguns anos. Fazer o quê? Os ponteiros giram para todos. Um dia serão elas a se aperceberem de que o tempo é inclemente.
Pelo menos, fiz alguma coisa neste intervalo, estudei, aprendi, trabalhei, criei, amei, escrevi, li... Vivi, enfim. A vida tem um preço a pagar... Ainda bem que, por enquanto, a moeda está no viço da pele e dos cabelos, e não em colônias de neurônios... Mesmo porque... eeerrr... ahnnn... onde é que eu estava mesmo??
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 11/05/2009
Alterado em 04/06/2010


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