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A Viúva Falsa


De repente, depois de uma briga, o gajo se foi, sumiu, evaporou, escafedeu-se. Nem bilhete deixou. Orgulhosa, ela não ia carregar a pecha de “abandonadinha da Estrela", assim, de grátis. Matou o desgraçado. Não literalmente, pois jamais teria coragem de fazer o trabalho sujo. Mas, para o mundo todo. Foi ao necrotério e reconheceu como dele o corpo de outrem, um sujeito até um pouco parecido. Pagou-lhe o enterro com o caixão fechado e todos os parentes e amigos foram despedir-se do de cujus, lamentando o azar da pobre viuvinha. O patrimônio deixado era quase nulo, mas os atributos físicos dela compensavam e, nem bem o corpo baixou à sepultura, ela já era alvo de olhares cobiçosos.
Afonso, o mais afoito, logo seduziu seu coração ferido e magoado e, em pouco tempo, ela subia com ele ao altar. Minutos antes de dizer o sim, quem reaparece?
O defunto.
Diante da visão do fantasma, algumas mulheres desmaiaram, homens revelaram-se menos homens, o noivo correu... Foi aquele desespero.
Quando todos voltaram a se acalmar, o zumbi explicou-se: após a discussão com a esposa, havia saído a esmo até que foi atropelado, ficando sem memória por todo esse tempo. Folheando um jornal, viu o nome dela, na página dos proclamas e, embora não se lembrasse exatamente como, sabia que aquele nome lhe era familiar e resolveu comparecer à festa, para conferir. Quando a viu, reconheceu-a imediatamente e as lembranças voltaram.
Desmascarada, ela confessou a armação do enterro e da falsa viuvez. Arrependida, pediu-lhe perdão. Disse que nunca o havia esquecido e lamentava sua ausência todos os dias.
Afonso balbuciou:
- Mas... E eu?
Ela se desculpou, mas insistiu que ainda era do marido o seu coração.
O noivo saiu da igreja cabisbaixo, seguido de seus convidados e familiares.
Ela então, atirou-se ao pescoço do marido, feliz:
- Ai, meu amor! Que bom que você voltou!
Foi quando ele a interrompeu, apresentando a bonita morena que estava ao seu lado:
- Esta é a Rosali. Ela cuidou de mim desde o acidente e nós vamos nos casar.
- Casar? Você não pode se casar. Você é casado comigo.
- Pois é. Eu não me lembrava de você. Não lembrava de nada.
- Mas agora você se lembra...
- Lembro, mas agora amo Rosali.
- E eu?
- Ah! Não esquenta... Faz de conta que eu morri.


Imagem daqui.

Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 18/06/2009
Alterado em 27/06/2010


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