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A Mulher Triste


Era baixinho e abafado, mas estava lá. Primeiro um soluço. Depois, uma fungada. Alguém chorando? Instintivamente, Cláudio levantou-se e foi até a janela, procurando descobrir de onde vinha aquele som. E recuou horrorizado quando a viu lá fora. Bateu as pernas numa cadeira e caiu, assustando Adriana que olhou para ele espantada, os olhos bonitos escondidos pelas lentes dos óculos que refletiam a tela do computador:
- Cláudio!?
- Tem uma mulher na janela, do lado de fora. Acho que vai pular. Chama a polícia!
Ela foi à janela conferir, fez o sinal da cruz e correu ao telefone.
Cláudio, conseguindo recuperar-se, voltou à janela. Encontrou-a lá, placidamente sentada na ínfima marquise. Pegou uma caixa de lenços de papel. Retirou alguns e, debruçando-se perigosamente, os ofereceu a ela.
- Acho que você está precisando...
Ela levantou os olhos vermelhos e inchados e ao vê-lo, abriu o mais maravilhoso e triste sorriso que ele já pudera ver. Trocando a mão com a qual se segurava, esticou-se suavemente e pegou os lenços. Limpou os olhos e assuou discretamente o nariz. Usava um vestido branco, esvoaçante, que combinava com o dia claro e quente. Cláudio não sabia o que fazer. Esperava que a polícia chegasse logo. Mas não podia ficar parado, esperando, vendo-a, a poucos centímetros da morte certa. Precisava puxar conversa, ganhar tempo:
- Tomando um ar fresco? - arrependeu-se logo: “idiota! Se eu estivesse aqui fora, louco para pular lá embaixo, esta pergunta ia ser um empurrão...” - Vem para dentro! Ainda tem café aqui...
- Eu não tomo café, obrigada.
- Você vai se matar?
Ela olhou pra baixo, tristemente.
- Perdi a confiança nele...
- Seu marido?
O choro recomeçava, um pouco mais forte.
- Fale comigo. Por que você está assim?
- Oh! É tudo tão diferente do que eu esperava... A minha vida é só trabalho, cuidando dos filhos dele... Eles são difíceis, teimosos... Eu cansei, sabe? Ele os deixa fazer o que bem querem.
Ele conferiu o relógio... Nada da polícia. Precisava distraí-la. Começou a dizer-lhe todos os chavões que conhecia, sobre a importância do amor, sobre como era bonito poder amar e dedicar-se ao outro, falou-lhe de confiança... A cada baboseira sentimental que proferia, seus pensamentos o traíam. Lembrava-se do casamento desfeito, dos filhos. Sentiu saudades deles. Não os via desde que a ex-mulher mudara-se com eles para Goiânia, há quase seis meses. Continuava falando:
- Você precisa entender... Se ele deixa os filhos com você, é porque confia em você...
Mas seus pensamentos voavam em coisas há muito esquecidas...
- Eu acho que vocês precisam conversar...
A falta de diálogo que o levou a afastar-se da mãe, quando o pai morreu...
- O amor vence qualquer barreira...
A irmã, a quem nunca visitava desde que se casou com aquele imbecil... Começava a perceber toda a sua solidão...
Adriana estava ao seu lado e ouvia, embevecida, tudo o que ele dizia... Ela sabia tantas coisas, estudava tanto, mas jamais saberia falar como ele... Quando se conheceram ele ainda estava casado. Gostou dele imediatamente, daquele sorriso franco. Ele estava sempre cantando, na maior parte das vezes, só o refrão de músicas que ouvira no caminho. Só o viu triste duas vezes: no enterro do pai e depois, nos dias subsequentes à separação.
De repente, a moça levantou-se com uma agilidade impressionante e ficou ali, apenas os calcanhares apoiados, o corpo grudado na parede. Em seguida, inclinou o corpo para frente. Adriana gritou. Cláudio agarrou-lhe o braço e surpreendeu-se com a delicadeza daquela pele tão fria. Era realmente uma mulher fascinante e ele estava agora, decidido a não deixá-la morrer. Sentia como se a conhecesse há milênios. Tocando-a, sentia-se em paz. E com aquela sensação de segurança, apoiou-se na janela em que se encontrava e saltou-a, com cuidado, apoiando-se na marquise, como ela fazia.
Se vê-la fazendo aquilo era assustador, fazê-lo era apavorante. Olhava para baixo e sentia a vertigem. Ela sorriu:
- Por que você fez isso?
- Pra você não pular!
- Eu não ia pular.
- Não? Então o que estamos fazendo aqui? Vamos para dentro.
- Não posso. Tenho que ir... Mas você deve entrar. - e foi delicadamente empurrando-o de volta para dentro, indiferente aos seus protestos:
- Deixe-o! Deixe-o com as crianças dele!
- Oh! Cláudio... Não diga isso... Você também é uma das crianças dEle... Vá, procure seus filhos, sua mãe, sua irmã, aquiete sua alma que seu lugar está seguro ao lado dEle e ao meu. Terá valido meu dia se ao menos eu também puder ajudá-los.
E dizendo isso ela deu um último significativo sorriso para Adriana e saltou. Eles ainda tentaram agarrá-la pelos calcanhares, mas tudo foi muito rápido. Ela lançou-se para frente como num longo mergulho e depois abriu as enormes asas douradas que a alçaram de volta até a altura da janela. Sorriu novamente para os dois e partiu.
Eles ficaram alguns segundos olhando boquiabertos enquanto ela desaparecia no brilho do sol. Cláudio deu um passo cambaleante para trás, recostando-se no peitoril da janela. Ao vê-lo recuar, Adriana apavorou-se achando que ele iria cair e tentou segurá-lo. A desproporção dos corpos foi suficiente para que ela acabasse por tombar sobre ele que por sua vez a abraçou para que ela não caísse. Os dois ficaram abraçados, recostados na janela olhando-se como se nunca tivessem se visto. Ela tirou os óculos, agora embaçados pela emoção, expondo-lhe seus lindos e grandes olhos azuis. Vista assim, tão de perto, e sem aqueles óculos horríveis ela era linda como ele sempre imaginara e, não resistindo, ele a beijou. Ela não esperava aquilo, mas, afinal de contas, ninguém esperava ver um anjo pendurado na janela da sala ao lado, então, ela entregou-se àquele beijo tão sonhado.
No céu, um anjo sorriu feliz, com o sorriso mais puro e lindo do que o de qualquer criança na terra. E suspirando, entendeu que sua missão, dali em diante, poderia, afinal, não ser tão inútil como ele pensara.

Texto adaptado do meu conto Na Hora do Almoço, para adequar-se às exigências da CBJE e selecionado para a coletânea de Agosto: Contos do Ab Absurdo.

Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 12/07/2010
Alterado em 12/07/2010


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