Textos



A Filha do Mercador de Anões

 
Era uma vez, uma moça muito linda, branca como a neve, cabelos muito negros e olhos muito azuis. Seu nome era Branca de Neve e era a única filha de um humilde mercador de estatuetas de anão para jardim. Embora esse objeto de decoração fosse considerado meio démodé naquela época e poucos deles tivessem sido encomendados nos últimos anos, o senhor Ymir, pai de Branca de Neve não queria abrir mão do negócio, que era tradição em sua família há muitas gerações.

Para ajudar o marido a sustentar a família, a mãe de Branca de Neve havia se tornado uma exímia caçadora. Com sua flecha certeira, era ela quem fornecia as carnes para quase todos os jantares oferecidos pelas famílias mais nobres da cidade, atiçando o despeito e a ira dos outros caçadores do local. Não suportando mais a vexatória situação de serem superados por uma mulher, eles se juntaram e, numa emboscada, conseguiram matá-la.

O senhor Ymir, vendo-se obrigado a sustentar a família, finalmente parou de produzir anões e foi trabalhar no palácio do rei, como artesão. Lá, ele conheceu Izzy, uma mulher belíssima por quem se apaixonou. Pensando que seria bom também para Branca de Neve, que vivia muito solitária e triste desde a partida da mãe, decidiu desposá-la.

O que ele não sabia é que a mulher era obcecada pela própria beleza e passava seus dias consultando um espelho mágico:

– Espelho mágico, espelho meu, quem é mais bela do que eu?

E o espelho respondia, enfadado:

– Tu és a mais bela, minha senhora.

Branca de Neve não gostava nada da madrasta. Achava-a tediosa com seus cremes de beleza, seus xampus e maquiagens. Detestava acompanhá-la às lojas em longas incursões em busca da roupa certa para este ou aquele evento. Mas se ela fazia o pai feliz, esforçava-se por aturá-la.

Porém, Branca sentia-se profundamente infeliz com aquela situação. Procurando reviver seus momentos de felicidade antes da morte da mãe, começou a roubar os anões. Durante os dias, circulava pela cidade à procura deles e, à noite, saia furtivamente pela janela para buscá-los. Ela os escondia em seu quarto, onde nem o pai, nem a madrasta podiam encontrá-los: em meio à bagunça adolescente que ela fazia questão de manter por todo lado.

Acontece que Branca de Neve estava crescendo e um dia, o espelho respondeu o que Izzy mais temia:

– Perdeste o trono, minha senhora,

Branca de Neve é a mais bela, agora.

A madrasta enlouqueceu. Aproveitando-se da ausência do marido, expulsou Branca de Neve de casa.

A menina recolheu seus setes anões roubados, arrumou-os numa carroça e fugiu com eles para uma velha choupana na floresta, local onde os caçadores às vezes se abrigavam das intempéries e dos animais selvagens. Conhecia o lugar, já estivera ali com sua mãe algumas vezes.

Izzy, ao ver-se livre da enteada, correu ao espelho, que logo respondeu:

– Mesmo tão longe, ainda é ela,

Branca de Neve é a mais bela.

– Mostra-me onde ela está! – gritou ela.

O espelho mostrou Branca de Neve sentada na grama, cercada pelas estatuetas de anão.

– Dá pra ser mais específico, seu espelho miserável?

– Na choupana dos caçadores,

Uma casinha tão singela

Sofrendo o exílio forçado

E ainda assim, como é bela!

Izzy arrancou o espelho da parede e ia jogá-lo no chão.

– Te vais arrepende-e-er. – cantarolou ele.

Ela sabia que ele tinha razão. Não podia destruí-lo. Melhor destruir a rival.

Fez virem à sua casa os caçadores:

– Ide até a choupana e matai Branca de Neve. Trazei-me seu coração arrancado do peito. Eu vos recompensarei bem.

Ao chegarem até lá, os homens se depararam com Branca de Neve empunhando um arco do mesmo modo que fazia sua mãe. Certos de estarem diante de um fantasma, pois a semelhança entre as duas era enorme, os homens desistiram de seu intento e voltaram correndo à cidade. Decidiram que enganariam Izzy ofertando um coração de porco, como prova do assassinato.

Ao receber este troféu macabro, Izzy gargalhou histérica e deu aos homens algumas moedas. Um deles ainda quis reclamar, mas o outro o puxou dali:

– Ora! Por um reles coração de porco, ela pagou mesmo muito bem!

E foram comemorar o ganho.

Izzy retornou ao espelho, que não pestanejou:

– Os caçadores te passaram a perna

e agora riem de ti, lá na taverna.

Branca de Neve ainda é a mais bela,

queres ver mais alguma imagem dela?

O grito de Izzy se fez ouvir por toda a cidade. Estava mesmo furiosa. Depois de pensar um pouco, foi até o armário de onde tirou uma mala de couro muito velha e pesada. Jogou-a sobre a cama e a abriu, com a chave que carregava sempre ao pescoço. De lá, retirou um livro, um pequeno caldeirão e vários vidrinhos, repletos de ervas e pedaços de bichos. Abriu o livro e, seguindo as instruções, misturou o conteúdo de alguns dos vidros, juntou água fervente, deixou esfriar. Selecionou a mais linda maçã de um cesto, mergulhou-a naquela mistura e a juntou às outras frutas. Em seguida, abrindo o livro numa outra página, preparou outra poção e a derramou em algumas garrafas de vinho. Finalmente, seguindo uma terceira receita, preparou uma beberagem, que ingeriu de um gole, transformando-se, imediatamente, numa velhotinha gordota, de cabelos bem brancos.

Vestindo-se com roupas humildes, ela saiu rumo à taverna, onde fez chegar à mesa dos caçadores as garrafas do falso vinho, que, mais tarde, ainda naquela noite, os transformaria em ratos

Depois, ela seguiu em direção à choupana, carregando no braço o cesto de frutas. Lá chegando, encontrou Branca de Neve sentada na relva, em meio aos seus anõezinhos. Puxou assunto:

– Olá, menina bonita! Estou vendendo maçãs. Quer comprar algumas?

– Oh! Não, senhora. Não tenho dinheiro.

– Oh, pobrezinha. Não tem problema. Eu lhe dou uma.

E lhe ofereceu a maçã envenenada.

Branca de Neve levantou-se sorrindo, aproximou-se interessada e, então, num repente, sacou das costas um arco e sua flecha, armou-o e apontou para a vendedora de frutas.

– O que é isso, minha menina!? – admirou-se a velhota.

– Ora, minha madrasta, esperavas, com uma adolescente em casa, conseguir guardar algum segredo? Pensa que já não xeretei suas feitiçarias, não estudei todo o seu livro e nem conversei com seu espelho tagarela?

– Não, minha criança! Estás enganada... Eu só vendo maçãs, para complementar a minha aposentadoria que é muito baixinha.

– Se pensas que vou morder dessa fruta para ficar à espera do príncipe encantado, estás muito enganada. Come tu, um bom pedaço.

– Não, querida, estás me confundindo!

– Come, agora! – Gritou Branca, enfezada, o arco esticado ao máximo.

A velhota mordeu um naco e caiu, retomando imediatamente a forma de Izzy.

– Agora, fica aí, dormindo, à espera de seu príncipe, que eu tenho mais o que fazer.

Então, usando um dos muitos feitiços que havia estudado no livro da madrasta, deu vida aos anões, que passaram a guardar o corpo da bruxa, impedindo qualquer um de se aproximar.

Voltando para casa, Branca de Neve contou tudo ao pai, com o testemunho do espelho, que, apesar das rimas pobres, sabia expressar-se muito bem. Chocado em imaginar o perigo que sua filha querida correu, o senhor Ymir foi queixar-se com o bispo, que consentiu em anular seu casamento e levou o caso ao rei. Branca de Neve e seu pai foram convocados ao castelo para uma audiência e foram recebidos pelo rei, a rainha e seu filho, que, ao ver Branca de Neve, apaixonou-se imediatamente.

Ela até ficou lisonjeada com a corte de um príncipe, mas como dito à madrasta, tinha mais o que fazer:

– Não sou apenas um rostinho bonito! – ela insistia em dizer.

E, assim, com autorização de seu pai e com a concessão especial do rei, pois na época, às mocinhas não era permitido estudar, ela acabou tornando-se embaixadora de seu país, sendo responsável por importantes acordos econômicos.

Tendo o futuro de sua filha garantido, o artesão Ymir pode voltar à fabricação de seus anões de jardim, especialmente porque desejava repor aos clientes, as peças roubadas por Branca. Ah, sim! Porque os anões que ganharam vida não voltaram mais aos seus donos. Depois da experiência adquirida como guardiães do corpo inerte de Izzy, eles decidiram abrir uma empresa de segurança.






Texto escrito para o Desafio Literário da Câmara dos Deputados
Contos de Fadas da Dinamarca - Etapa 4 - Opção 5: Então será sempre assim? Se eu comer um pouquinho que seja da maçã, fico morta até que um príncipe aceite me beijar?

 
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 24/10/2012
Alterado em 24/10/2012


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