Textos



No Final Dá Tudo Certo


 
Otimistas são pessimistas mal informados. (Autor Desconhecido)

É noite e chove muito.
No trânsito intenso, dirijo cuidadosamente, diferente do meu jeito pai-na-forca de sempre. Minha visão noturna já é ruim por causa do astigmatismo, piora, ofuscada pela luzes dos postes, lanternas e faróis refletidas nos pingos. E vidro do carro, velho e sem ar condicionado, embaça.
Inevitável ficar tensa. Até que Zélia Duncan canta no rádio: "no final dá tudo certo de algum jeito". E não é? Se tudo ainda não deu certo é porque não chegou ao final. Sorrio com a mensagem otimista.
Penso nos momentos de crise que vivi. Tempestades emocionais que transformam em metáfora este meu trajeto até em casa, desde a  escuridão e ofuscamento que me fazem redobrar os cuidados, até a forma como tenho conseguido abstrair de todos esses perigos, mantendo o foco no meu objetivo, para enfrentar as situações mais adversas. Aprendo com elas, com elas cresço. Lembro-me do tempo em que a chuva me entristecia, em que os dias chuvosos me faziam introspecta e chorosa. Hoje, o vento forte e o cheiro da terra molhada que prenunciam os aguaceiros fazem-me voltar ainda mais no tempo e vejo-me criança, matando aula para brincar no toró, sem medo dos raios, do frio, da gripe ou do castigo da mamãe. Diferentes fases, diferentes formas de viver a vida. Não sou mais uma moleca inconsequente e, certamente, sou muito mais feliz do que quando me deixava abater pelos humores de São Pedro.
Já chegando à ponte do Bragueto, um pouco mais relaxada, dou de cara com o outdoor luminoso que algum gênio da publicidade achou por bem colocar ali na curva. É uma coisa tão insana, que não dá para acreditar  que o governo autorizou sua instalação, sem propina. É uma TV com brilho bastante para ser vista com clareza da 116 norte em pleno sol do meio dia e cujo fulgor me atinge em cheio nos olhos arregalados, deixando-me cega por alguns instantes, suficientes para destruir a frente do calhambeque na traseira de um Azzera. Quase zero.
Suspiro. O parachoque dele deve valer mais que o meu carro.
Desligo o rádio, calando a Zélia Duncan. Desço na chuva, pensando:
"Será que ainda falta muito pro final?"
 
Este texto foi publicado na edição de 06/12/2013, do jornal Alô Brasília, inspirado em texto homônimo e muito mais cuti-cuti publicado neste Recanto das Letras em 07/11/2008.
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 06/12/2013


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