Textos



As Línguas no Beijo

Viram como um bom final é imprescindível? Ele faz o público esquecer que todo o resto foi uma merda.
Dona Shakespeare via twitter

 
Sábado, no facebook, só se falava no tão esperado beijo gay. Não vi a novela. Não as acompanho há anos e, cá entre nós, relacionamento homoafetivo me parece uma coisa tão natural que nunca imaginei que ainda havia tal tabu na TV.
Desdenhei do feito, até que li a postagem de Paulo André Bione, homossexual, emocionado por ver a sociedade querendo mudanças, mesmo com todo o preconceito vigente. Para ele, as novelas fazem um efeito enorme em lares brasileiros, ditando moda, comportamento, educando.
Embora julgue "vender ideias" uma expressão muito mais adequada do que "educar" - sou capaz de apostar que, para religiosos mais radicais na defesa dos "valores de família", a cena fez foi deseducar -, é inegável a influência desse meio sobre a sociedade e não é à toa que ativistas em diversas causas fazem marcação cerrada em cima da programação, aplaudindo ou execrando as ideias vendidas.
Pensando nisso e, considerando que eu também tenho algumas bandeiras a defender, deixei de lado meu preconceito contra os folhetins e cogitei assistir à reexibição do último capítulo.
Minha decisão durou pouco. A cobertura do fenômeno no Jornal Nacional, confirmou minha suspeita de que seria a mesma sequência melodramática das outras: casamentos, conciliações, bebês... A mesma catarse coletiva provocada por vilões se dando mal e mocinhos sendo felizes para sempre. Deu preguiça...
Além disso, algumas coisas não vão mudar assim, só porque acontecem na TV. Tirando um depoimento (que também li no face e, portanto, desconfio) de um pai homófobo que, após a cena final, buscou o perdão do filho gay, a maior parte das pessoas que apoiaram e acharam lindo, já apoiavam e achavam lindo. As demais criticaram ou silenciaram. Mamãe, moderninha aos 78 anos, respeita e recebe em casa nossos amigos homossexuais. Mas, na hora do beijo, mudou de canal. "Achei esquisito.", justificou com doçura.
Paciência...
Um dia, o beijo gay será visto com a naturalidade que merece e não como o gol do campeonato. Daí, até mamãe torcerá por ele, apenas pelo que é: a concretização de um amor que a trama do enredo insistia em complicar.

 
Texto publicado na coluna Conceito de 07/02/2014, no jornal Alô Brasília.
 
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 07/02/2014


Comentários