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Eu Gosto de Ser Mulher

Eu gosto de ser mulher.
Para mim, é fácil. Quase não tenho TPM, não sei o que é cólica, e nunca experimentei as dores e prazeres da maternidade.
Vivo numa sociedade e época onde o machismo é velado, discreto. Tive as mesmas chances que meus irmãos e outros colegas para progredir profissionalmente. Ainda me deparo com alguns absurdos no dia a dia, mas aprendi a lidar com eles com algum bom humor e, assim, vou vivendo bem a minha vida.
Para ser sincera, posso me vangloriar de, nesta guerra dos sexos, conseguir manter bases diplomáticas nos campos inimigos e através delas alcançar algumas vitórias.
Em parte, isso é culpa do acaso. Única menina dentre sete filhos, aprendi a lidar com o universo masculino desde pequena. E o fato de ser a quinta filha, esperadíssima menina na família, me dá o gostinho de, diferente dos demais, ter sido esperada, ansiosamente, por quase trinta e seis meses de gravidez, e não apenas nove. A cada gestação, meus pais primeiro escolhiam nomes de meninas, para depois escolher os de meninos.
Meus dois irmãos seguintes foram concebidos com a esperança de serem meninas também, para comporem comigo as trincheiras dessa batalha. Não deu.
Mas, isso me foi muito mais benéfico do que se poderia esperar. Acabei me tornando uma valorosa combatente, sendo obrigada a me defender sozinha da sanha assassina das outras crias Medeiros. Sofri horrores indescritíveis como ter perfumes quebrados por bolas de futebol ou basquete atiradas contra minha cômoda por endiabrados jogadores. O quarto ficava fedendo por semanas.
E o trauma daquele natal em que eles destruíram suas bolas e carrinhos antes mesmo dos fogos de ano novo e, por vingança, pegaram os cabelos de minha boneca, puxaram todos para cima e enrolaram durex? Muitas e muitas voltas de durex... Tenho cá pra mim que este episódio foi fundamental para a minha decisão de não ter filhos.

Privacidade, então, era palavra alheia ao meu vocabulário. Como éramos muitos no apartamento de três quartos, dividi o meu com os dois caçulas até os 18 anos. Tentei, de todas as formas conseguir alvará para utilização do quarto de empregada, mas minha mãe nunca aceitou. Achava humilhante, perigoso... Humilhante era receber minhas amigas para estudar num quarto com cuequinhas do Mickey penduradas nas cabeceiras das camas. Perigoso era conviver com aqueles ogros!
Quando, finalmente, pude ter meu espaço, foi um sonho realizado, pude arrumá-lo com esmero, mas minha meiguice, meu direito à doce piequice dos lacinhos e bonecas havia sido destruído há anos. Nem um bicho de pelúcia, flores, rendas, paetês. Mas, era o MEU espaço! Em parte... Mais de uma vez fui acordada no meio da noite por algum irmão vindo, às vezes com colegas, escolher discos dentre os meus para ouvir ou, pior, emprestar-lhes. Trocar de roupa exigia chave na porta pois até os amigos deles invadiam meu recinto sem nenhum toc-toc-toc. Como se eu fosse um deles!! Às vezes me perguntava se eles realmente não percebiam que eu era diferente, sabe?, seios, voz, cabelos, cintura, jeitos e trejeitos...
Nem o espírito mais empedernido conseguiria sobreviver e manter alguma sanidade naquele ambiente.
Acabei por me convencer que eu era mesmo uma igual.
Igualzinha... Mulher, homem, meninas e meninos... Somos todos iguais. Somos gente.
E, de gente, eu gosto muito!
Talvez, por isso, me seja tão fácil ser mulher...

Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 16/04/2008
Alterado em 08/03/2010


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